Talvez eu não seja a melhor pessoa para escrever artigos e textos, mas como fotógrafo de moda, não tem como fechar os olhos e não olhar para esse tipo de tema. Por isso, me dedico nessa minha nova caminhada para refletir, comunicar e questionar nossa forma de consumo e decisões diárias. Então, desde já, me disponho abertamente a refletirmos juntos.
Eu assisti mais uma vez o documentário The True Cost, de Andrew Morgan, lançado em 2015. Quem não assistiu, assista! Vale muito a pena! Não é um documentário apenas sobre o mundo da moda, sobre a fast fashion, é sobre o ser humano e as escolhas que fazemos no nosso dia-a-dia como produtores e consumidores, e como essas escolhas impactam na vida de outras pessoas e do meio ambiente.

Muitos já conhecem esse documentário e do que se trata. Já foi amplamente discutido em vários artigos e blogs desde o dia do seu lançamento, mas não posso deixar de falar sobre esse assunto, e principalmente iniciar essa jornada, sem falar sobre algo que me abriu os olhos pro mundo, não só da moda, mas o mundo em que estamos vivendo.
Sobre o Documentário
The True Cost foi produzido depois da tragédia em Bangladesh com o desmoronamento da fábrica têxtil Rana Plaza, matando mais de 1000 pessoas que trabalhavam no local. O documentário nos alerta sobre os impactos ambientais e sociais da indústria da moda conhecida como fast fashion.
O assunto é vasto e pretendo focar apenas nas informações que o próprio documentário traz (sem atualizá-los para os dias de hoje do ano 2020).

Segundo o documentário, em 2015, apenas 3% de toda produção têxtil era feita nos EUA, os outros 97% eram feitos em países em desenvolvimento. Pelo baixo custo, os países do oriente médio são os que mais produzem até hoje.
Com o surgimento das lojas fast fashion (moda rápido), e consequentemente consumo rápido, o preço das peças de roupas caiu muito, mas o custo de fabricação não, pelo contrário, aumentou e isso implica diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores envolvidos e na falta de comprometimento com o meio ambiente.
1 a cada 6 pessoas no mundo trabalham em algum setor da indústria mundial da moda. É a indústria mais dependente de trabalho do mundo.”
Documentário The True Cost
Para se ter uma ideia do aumento da produção de peças de roupas, antigamente tinha 2 estações por ano. Hoje em dia tem praticamente 52 estações ao ano. A cada semana tem uma peça com adereço novo, com cor nova, ou com um detalhe novo.
A produção globalizada foi para os países onde os salários são muito baixos. As grandes marcas escolhem onde vão produzir (onde for mais barato possível), fazendo com que os produtores desses países baixem os preços cada vez mais pela concorrência, acarretando na diminuição de salário e condição dos trabalhadores, cortando gastos e ignorando medidas de segurança.
Assim foi em Bangladesh, no Rana Plaza (além de várias outras fábricas no oriente médio). O ano seguinte ao desastre foi o mais rentável de todos os tempos para a indústria da moda global e chegando a quase 3 trilhões de dólares em 2015.

O Algodão
A principal matéria-prima das roupas é o algodão e o problema já começa na sua produção: o AGM (algodão geneticamente modificado). A industrialização da agricultura se tornou outro problema, pois sua intensificação por conta do mercado e da demanda faz com que os produtores utilizem muitos produtos químicos de forma generalizada sem respeitar a natureza. E quanto mais se usa pesticidas e agrotóxicos, mais se precisa usar, fazendo com que o solo fique totalmente contaminado e a saúde dos trabalhadores comprometida.
Como se não bastasse, essas mesmas empresas que comercializam as sementes de algodão geneticamente modificado, que aliás têm o monopólio delas, são as mesmas empresas que fazem os remédios para combater o câncer causado pelos pesticidas. Há muitos casos de fazendeiros que ficam tão endividados que perdem suas terras para as essas empresas, causando grandes números de suicídios.

O Papel da Propaganda
“A propaganda é uma espécie de ditadura”, afirma o documentário. E de 2015 pra 2020, pouco mudou. Ainda há muito o que se pensar na forma como nos comunicamos com nossos consumidores.
Fazer negócios através da publicidade levou a sociedade à crença de que a felicidade está baseada em coisas, que a verdadeira felicidade é conquistada com um aumento anual, sazonal, semanal, diário da quantidade de coisas que você está trazendo para a sua vida.”
Rick Ridgeway, VP Patagonia
Eu me pergunto se os valores se alteraram ao longo dos anos, ou sempre foi assim? Mais pessoas têm dinheiro hoje em dia, mas se consolam comprando aquela roupa barata da fast fashion. Em 2015 se comprava mais de 80 bilhões de peças de roupa por ano. É 400% a mais do que comprávamos há apenas duas décadas.

O Consumismo
O documentário cita a definição sobre Consumismo, de Earnest E. Calkins, da seguinte forma: “Há dois tipos de produtos, os que você usa, como carro, máquina de lavar e etc… e usa por muito tempo, e existem os outros produtos, as coisas que consumimos, como chiclete, cigarros e outros perecíveis… O consumo é todo sobre fazer as pessoas tratarem as coisas que usam como coisas que consomem.”
A moda nunca poderá ser pensada como algo descartável. Até 2015, o americano comum jogava fora quase 38 quilos de lixo têxtil a cada ano. Chegando a mais de 11 milhões de toneladas de lixo têxtil apenas nos EUA. A maior parte disso não é biodegradável, ou seja, ficam nos lixões por 200 anos ou mais, enquanto liberam gases nocivos no ar.

Não adianta pensar que a maioria das roupas vão para as caridades. As roupas muitas vezes têm um volume tão grande que são enviadas para países de terceiro mundo por serem doações (e por isso não podem ser revendidas) e apenas 10% das roupas que doamos são, na verdade, vendidas em brechós.
Por isso é importante pensar na hora da compra de qual marca estamos comprando e tentarmos saber da procedência de onde isso tudo está sendo produzido. Com o tempo, tem surgido algumas marcas conscientes e que fazem a diferença. Ainda é um pequeno passo mas podemos caminhar nesse sentido e ajudar como consumidores.
Nos fazem acreditar que a forma de resolver os problemas da vida é através do consumo.”
Documentário The True Cost
O Sistema de Lucro
O problema que temos no sistema atual é que tudo está relacionado ao lucro. E não leva em consideração: “Este preço? A que custo? O preço de poluir a água, o preço da mão de obra, o preço dos trabalhadores que morrem, o preço dos fazendeiros que não tem acesso à educação e assistência médica. Qual o verdadeiro custo?” Vandana Shiva, ativista ambiental.
O maior problema é o sistema capitalista que só visa o lucro. Buscam a mão de obra mais barata possível. Para o meio ambiente, a grande ameaça é que o capital tem que continuar a se expandir sem limites para sobreviver. Ele não pode ter limites na expansão e no crescimento. O mundo natural tem, claramente, limites. E já ultrapassamos esses limites em várias áreas e é por isso que vemos tanto stress no mundo natural atualmente.”
John Hilary, War on Want
Grandes marcas ocidentais podem obter materiais baratos sem se responsabilizarem pelos danos à saúde humana e ao meio ambiente. Só estamos olhando o produto final sem pensar no resto. A moda é, atualmente, a segunda indústria mais poluente na Terra, perdendo apenas para a indústria do petróleo. Temos de olhar a terra não como mercadoria mas como a base de nossas vidas.

Conclusão e Reflexão
Uma coisa é clara, nós nos comunicamos através das roupas. Sempre foi assim e sempre será. É uma questão natural do ser humano. O que importa, é o valor que damos a isso.
Numa sociedade capitalista e consumista que visa somente o lucro acima de tudo, isso é um problema. Achamos que o ser humano é um produto e que os recursos naturais são infinitos. Não estou dizendo que o sistema capitalista é ruim, não sou estudioso de economia pra dizer qual é o melhor sistema. Esse pode ser um sistema bom, se você tem dinheiro, pois lhe dá liberdade…mas quando olhamos pelo lado da desigualdade social dessa liberdade, alguma coisa nesse sistema está errada. A forma como deixamos nos manipular, nos faz acreditar que a vida é assim e pronto: “Sejamos felizes comprando a qualquer custo! Sem olhar, sem questionar, apenas compre!”

Refletindo sobre tudo isso, não é fácil pensar nesses assuntos e nas escolhas que fazemos ao longo da nossa vida e principalmente no nosso dia-a-dia. Então, não posso, eu aqui na minha situação privilegiada, apontar o dedo, falar o que temos que fazer ou não, e muito menos julgar a escolha de cada um como consumidor.
A vida já é difícil por si só. Rico, pobre, classe média, com filhos ou sem filhos, com dívidas ou sem dívidas. Cada um sabe e sente como a vida é (às vezes pode ser boa e na maioria das vezes, é uma batalha constante, pode ser muito ruim). Então, não tem como obrigar as pessoas a pensarem e agirem de forma mais consciente quando a maneira que consumimos hoje é a maneira mais fácil e acessível.
É difícil pedir para que todos consumam menos descartáveis quando na maioria das vezes esses produtos são mais baratos, de fácil acesso e fácil descarte. Alguns de nós temos a oportunidade de estudar, pesquisar, ir atrás e mais do que isso, de nos adaptarmos a uma nova realidade e de construir essa realidade, mas muitos não têm. É um reaprendizado que só virá com o tempo, devagar e a longo prazo. É uma nova maneira de pensar, uma nova maneira de agir, uma nova maneira de comprar, consumir e descartar.
Dito isso tudo, e não sei se foi da melhor maneira, aos poucos podemos e precisamos experimentar outras opções de consumo. Tornar acessível produtos sustentáveis, baixar os custos desses produtos de forma ética e justa, tornar viável e mudar a forma como vemos a nossa relação com os produtos. E claro, consumir menos, pois por trás disso tudo há vidas e meio ambiente sendo “descartados”. Não é um jogo, não é fácil, nem todo mundo pode, mas devemos. Acredito que seja possível!
Temos que parar de tratar as pessoas como coisas, mudar nossos valores.”
Martin Luther King
Trailer do documentário The True Cost
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E lembre-se, se tiver ou quiser fazer um projeto fotográfico de moda para a sua marca, loja de roupa, entre em contato comigo. Como fotógrafo, eu me preocupo com todo o processo criativo, desde o conceito, até a mensagem que será transmitida, ou seja, tudo o que envolve a criação do ensaio. Por isso, eu me coloco a disposição para trocar ideias e ouvir tudo o que você como marca quer apresentar ao seu cliente, e sempre peço referências visuais para que todos estejamos alinhados como equipe para alcançar o resultado desejado.
No que eu puder ajudar, ou contribuir, pode contar comigo!